Livro- Capítulo I



Capítulo I
É a hora
            Os olhos de Laylah ainda pesavam enquanto ela andava pelos corredores em direção ao seu destino. Seria difícil, como sempre é, mas ela não conseguia pensar nisso com o cansaço do dia anterior ainda no corpo. Era uma guardiã recém formada e o dia anterior tinha sido cheio devido à cerimônia do termino de curso.  Até que enfim seus cem anos de curso, muitas teses, trabalhos e discussões- com professores da época “antes de Cristo”, que extraiam até a última gota de informação dos seus cérebros para depois os encher novamente de várias outras- havia acabado. Ou pelo menos era isso que sugeria o pedaço de papel que receberá ontem à noite, envolto numa delicada fita escarlate de seda. O que parecia ser o fim, na verdade era só o começo. Afinal de contas, podemos dizer que a vida de um anjo só começa depois dos cem.
            Os corredores intermináveis e vazios pareciam assustadores, poderia jurar que veria um monstro ali a qualquer momento se eles não ficassem no céu. Laylah o avista, Miguel.
- Rápido Laylah! Já está quase amanhecendo e você ainda nem saiu. Está querendo ser vista logo no seu primeiro dia?- Miguel não tinha fama de paciente.
- Calma, já vou!- disse ela em um tom debochado. – Não sei por que ainda se preocupam que veja a gente, eles não são tão burros assim... E está escrito na bíblia que existimos. Porque se esconder papai?
Miguel,agora com a expressão mais séria – Ainda me pergunto para que você estudou cem anos. Deus quer assim, será assim!-  e a cara de mal se desfez em um sorriso em menos de um instante.
- Você é a única que me chama de pai, Laylah.
- Você me criou, assim como Deus o criou antes de mim, é assim que se chama um criador que se ama verdadeiramente. E é engraçado imaginar o grande Deus como Avô. – disse em meio a risos.
- Sei que não irá me decepcionar querida. - Disse ele olhando- a enquanto afagava-lhe a cabeça como uma criança. - Agora vá! E volte, por favor!
- Isso já não posso garantir, vai que eu goste de lá!
- Não brinque com isso mocinha!
            Laylah já não ouvia o resmungão. Estava caindo e caindo, como se a queda não acabasse mais. Miguel, que observava tudo se desesperou e já se preparava para pular atrás dela quando suas asas finalmente abriram e bateram. Belas asas brancas, que se tomaram para si tons prateados quando expostas aos raios do sol. Não era a primeira vez que estava na Terra, mas era a primeira vez que voara sobre ela. E era ali exatamente onde queria estar.
            O sol brilhava no seu rosto, suas asas já haviam sumido, ela sentia a brisa do mar em seu rosto e a areia em seus pés. O mar sempre a fascinou. Veio em um flash de memória a primeira vez que o viu e como naquele dia seus olhos se encheram de lágrimas, mas ele não estava ali como antes.
            Laylah levantou e ao checar sua lista o primeiro nome já havia surgido: Vine Stones.
-Agora vem a parte mais difícil. O que será que te aflige, meu caro Vine?
            Procurou em sua mochila sapatos, o porquê de anjos voarem sem sapatos quando saiam do céu ainda era desconhecido por ela, assim como vários outros. O que achou não a alegrara muito, era uma all star cor de rosa. Miguel sabia que ela não gostava de rosa, ela teve certeza assim que o viu que fora de propósito.
-Valeu papai, você só esqueceu que tenho um cartão de credito pra comprar um preto. - disse a anjinha olhando pro céu enquanto abanava seu cartão CELEST sem limites.
Laylah vai a uma loja e vê na vitrine exatamente o que queria. Preto, cano alto, com esboços de asas do lado, não poderia existir um mais perfeito. Já era quase noite e Laylha se instala em um hotel a beira-mar, pra ela quando mais perto da imensidão azul melhor. A noite chega e enquanto caminha pela praia ela avista uma garotinha, sozinha fazendo o mesmo. Teria passado despercebido se não fosse apenas uma criança de 10 anos sozinha em uma praia quase meia noite. Laylah se aproximou e sentou junto à garota, que agora estava observando o mar.
- Posso ficar aqui contigo?
-Claro! É lindo né?- disse a garotinha olhando as ondas quebrarem próximo a seus pés.
- Sim, bem mais bonito aqui de baixo. Visto do céu parece apenas uma coisinha azul e pequena, aqui vemos a verdadeira grandeza dele.
A garota riu. – Do céu? Você já voou? Tipo de avião?
- Sim já voei, mas não de avião. - A guardiã estende a mão. –Laylah Angels, guardiã celeste.
-Guardiã celeste?
- Ou anjo da guarda... Como preferir.
- Eu sou Anna, só Anna mesmo!- Disse apertando a mão 'anja' e rindo.
Laylah teve a impressão de ver seu pai batendo na testa e se perguntando o que tinha feito pra merecer uma filha assim.
- O que faz aqui sozinha Anna? Seus pais devem estar preocupados.
- Ah, não estão... Papai está dormindo e mamãe...- a garota parou olhando para o nada- ...de certa forma também.
- “De certa forma”?
- Ela morreu faz dois anos.
-Oh! Eu sinto muito...
-Não sinta. Você não teve culpa disso.
O silêncio invadiu a conversa por um tempo e não aguentando mais ele Laylah pergunta a garota.
- Não devia estar dormindo? Precisa de energia amanha para ir à escola e brincar com seus amiguinhos.
-  Amanha na vou à aula, papai vai me levar ao dentista. E não tenho muitos amigos para brincar.
- Também não tenho muitos amigos aqui. Quer ser minha amiga?
- Eu amiga de um anjo? Mas é claro!
- Agora vá dormir! Não queremos que se atrase para dentista. Boa noite.
- Tá bem. Boa noite Laylah! – a garota já caminhava quando se virou – Chego do dentista às 10 horas. Você vai estar aqui?
-Sim.
A noite passou bem rápido e às 7h Laylah já estava de pé procurando o tal Vine. Andará a cidade toda e ainda não virá nem sinal. Parou para tomar café em uma lanchonete já sem esperanças, sem saber que estava bem perto de acha-lo.
Quando sai do céu cada guardião recebe uma ‘lista’. Nessa lista estão os nomes de dez humanos que devem ser ajudados. Diferente do que se pensa, um guardião não guarda uma pessoa especifica, e sim situações. Eles aparecem quando se enfrentar situações extremas, são como uma ajuda divina para a parte mais difícil da vida. É como se Deus soubesse que você não conseguiria sozinho e então te mandasse reforço. Antes as ‘listas’ eram pergaminhos mágicos em que apareciam os nomes das pessoas que deveriam se ajudadas, esses nomes sumiam depois da tarefa cumprida. Um anjo não poderia voltar ao céu se não completasse as dez missões, essa era a parte ruim de ser um anjo da guarda. A missão não tem prazo para acabar e cada dia na Terra pode distanciar cada vez mais um anjo da santidade. O fato de estar aqui já torna um anjo mais fraco, e conforme o tempo passa e ele comete os erros de um humano, mas humano ele se torna. Com o passar do tempo, as coisas mudaram. A algumas décadas os pergaminhos já chamavam muita atenção e as ‘listas’ começaram a ser entregues por bilhetes, mensagens de texto, ate virar um aplicativo para celular, como é ainda hoje. Mas elas continuam falhas, são apenas nomes. Várias pessoas têm nomes iguais, seria muito fácil ajuda a pessoa errada, mas são anjos e anjos sabem a quem ajudar. O que preocupa realmente é o tempo, vários anjos viraram humanos e hoje vivem na Terra sem nem ao menos lembrar que um dia foi ao céu, que um dia foi capaz de voar.
            Enquanto tomava seu café no balcão, Laylah viu um jovem entrar pela porta cambaleando. Ele sentou a seu lado, cheirava a álcool e soltava ao vento filosofias de alguém que não parecei muito bem. Enquanto bebia o café amargo pra passar o pileque da noite anterior disse olhando pra Laylah.
- Já provou o gosto disso? É horrível, mas continua sendo bom pra ‘acordar’.
- Não, nunca provei. – A curiosidade de Laylah nunca foi pouca, então ela não resistiu
- Posso?- Enquanto apontava para a grande xícara.
O garoto que tinha uns 20 anos, mesma idade de Laylah em seu corpo humano, soltou uma gargalhada estrondosa, que só se tornou mais alta ao ver a cara dela depois de provar o café e cuspi-lo no chão.
-Mayck, acho que você vai ter que limpar a sujeira da nossa amiga...- disse ele para o dono da lanchonete olhando para ela e esperando que ela completasse  a frase com o nome.
-Laylah, Laylah Angels- disse ela estendendo a mão.
-Eu sou Vine Stones. - disse o rapaz apertando a sua mão.
- Nunca te vi por aqui senhorita Angels...
- Eu não sou daqui, vim a trabalho. Sou de Skyland.
- Não conheço, fica aqui perto?
-Não
-Hum... Angels é um sobrenome curioso. Por um acaso você é um anjo?
- Sim, seu anjo!- disse indiferente enquanto dava um gole em sua xícara de café, que estava bem melhor que a de Vine.
-Sinto muito garota, chegou tarde. Sou casado, ou serei daqui um tempo. Deveria ter me passado essa cantada a um tempo atrás. Eu a aceitaria de bom grado.
- Não acredita em anjos Senhor Stones?- Ela agora o encarava de um modo que parecia ver o intimo vazio do jovem.
- Não. Anjos são criaturas de Deus e Deus não existe.- o rapaz tirou uma nota da carteira, colocou embaixo da xícara e saiu sem olhar pra trás.
Laylah agora tinha certeza que esse era o cara. Chamou Mayck e enquanto pagava a conta o perguntou se ele não saberia o telefone ou como entrar em contanto com o rapaz.
- Vou te dar o número dele, mas acho que não deveria se meter com gente desse tipo. Ele é um cara legal, mas não tem dado muito orgulho para seus pais ultimamente. - Disse o robusto homem enquanto anotava a informação em um lenço de papel.
Já era quase 10h, se Laylah não se apressasse perderia o encontro com Anna. Quando chegou a praia a garotinha já a esperava e sorriu ao vê-la.
- Fico feliz que tenha vindo.
- E ai como foi no dentista?
- Foi bom, hoje fiz o ultimo tratamento. Olha como estão branquinhos.- disse a garotinha abrindo um largo sorriso.
- Ohh! Seria uma honra ser a primeira a ajuda-la a estragar o  trabalho do dentista. Sorvete?              
A garotinha fez que sim com a cabeça
-Mas vai ter que me prometer que vai escovar os dentes assim que chegar em casa, não quero que seu pai perceba.
-Fechado!
            Laylah tomou um dos melhores sorvetes da sua vida. Anjos não sentiam o sabor das coisas em sua forma real, nem ao menos comiam, isso fez com que ela esquecesse que a sua forma humana tinha que se alimentar. O sabor e a sensação de frio que sentirá a fez lembrar-se da primeira vez que tomou sorvete. A lembrança fez seu corpo estremecer e ela, ainda um pouco atordoada, levou a garotinha até em casa.
As duas foram correndo até lá e fizeram um barulhão que chamou a atenção do pai de Anna ao passar pela porta.
- Quem é essa, minha filha?- perguntou ele assustado segurando na mão uma frigideira, o que arrancou alguns risos das garotas.
- Ela é minha amiga papai, trouxe ela pra almoçar com a gente.
Laylah que não sabia do convite até o momento, agradeceu e recusou educadamente.
- Não, fique!-disse o pai da garota- Anne nunca trás amigos aqui...
-Isso é por que eu não tinha ate agora papai.- Interrompe a garota enquanto coloca os pratos a mesa.
Laylah se sentia feliz. Era seu primeiro dia de missão na Terra e ela já tinha uma amiga, já tinha achado seu primeiro protegido e aparentemente estava desfrutando da sua primeira refeição em família, mesmo que não fosse a sua.

3 comentários:

  1. Gostei muito do primeiro capítulo. Tem mais? Quero ler a história completa, até o fim do livro.

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  2. Gostei muito do primeiro capítulo. Tem mais? Quero ler a história completa, até o fim do livro.

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  3. Olá Rúbia! Aprecio que tenha gostado, tenho mais alguns capítulos escritos que disponibilizarei em breve... Infelizmente estou sem tempo de escrever, mas revisarei a história e trarei novidades logo. Seu comentário me motivou a escrever... obg!

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