Era natal. Os
natais não eram mais como antigamente, não haviam mais presente, nem jantares
animados, nem crianças correndo ao redor da mesa. Só havia barulho. Um barulho
interno que não cessava. Embora por fora fosse tudo aparentemente semelhante,
ela sabia de tudo que se escondia por trás daqueles sorrisos falsos. E o
barulho crescia, e cada gota de chuva no telhado soava como uma batida de
tambor ensurdecedora em sua mente. E então ela sentiu seu corpo esquentar
subitamente. Subiu as escadas, recolheu do armário seu capuz vermelho e correu,
correu o mais rápido que podia. Passou pela porta deixando-a aberta e deixando
para todos sentados à mesa, todos que aparentemente não notaram sua explosão
interior. Fazia frio lá fora, e as luz da decoração natalina a incomodava,
então ela andou e andou até que achou um lugar diferente. Era uma antiga
capela, estranhamente não natalina. Não havia luzes, tudo parecia velho, e havia
duas grandes árvores perto de suas escadarias que as tornavam escuras. Ela
sentou nos degraus molhados e, apesar do frio, retirou os braços das mangas do
seu capuz. Amarrou as pontas das mangas em volta de seus ombros e ficou ali,
deliciando-se no abraço mais verdadeiro que á receberá naquela noite.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
sábado, 15 de novembro de 2014
Azul
Marco sempre foi um menino
curioso. O pobre garoto não frequentava a escola e passava os dias na rua,
dependendo dos generosos trocados de estranhos, que lhes davam o que comer antes
de dormir. Mas sua curiosidade o fazia passar horas sentadas num banco de uma
pracinha em frente à escola municipal se perguntando: “o que as crianças fazem
lá dentro?”. Havia também um jovem, e recém-formado, professor que frequentava
aquela praça e lia seu jornal todos os dias. A curiosidade de Marco rapidamente
fez do professor seu companheiro de conversa. Em um desses dias, o jovem
professor apareceu usando uma camisa azul. O garoto sorriu ao notar a paz que
aquela cor o trazia e comentou:
- Gosto dessa cor.
- Sabe com se chama essa cor? - Pergunta o
professor, talvez na tentativa de passar algum conhecimento ao garoto.
- Não sei ao certo. Mas não importo, eu gosto...
É minha cor preferida. -Responde o garoto, envergonhado por não lembrar o
nome da cor.
- Mas como pode gostar de algo que não conhece? -
Pergunta o professor.
-Mas eu a conheço, só não sei seu nome... Essa
cor é “da cor do céu”.
- Geralmente, sabemos o nome de alguém que
conhecemos. – Ele realmente queria que o garoto achasse necessário saber o nome
da cor.
- Professor, você gosta do seu cachorro?
-Pergunta o garoto.
-Sim, adoro o Bob, por isso sei o nome dele.
- Bob... Esse é o nome que o senhor deu a ele.
Mas não sabe o nome dele. A mãe dele pode ter o chamado de José e os amigos
dele podem até o chamar de Zé...
O professor interromper o garoto e diz:
- Mas o cachorro é meu, eu o chamo como quiser.
- A cor preferida também é minha, por que não
posso chamada de “da cor do céu”?
O professor ri.
- Mas a cor não é sua, a preferência da cor é
sua.
- Eu posso dar um nome pra preferência então?
- Mas a preferência já tem um nome, é a
preferência por cor.
- Me deixa ver se eu entendi. Você pode dar um
nome ao seu cachorro, mas não posso dar um nome a minha preferência de cor?
O professor, notando a confusão que se formal,
suspira e diz:
- Eu só queria que você respondesse “azul” quando
alguém perguntasse sua cor preferida.
Ao longe, um professor mais experiente observava a conversa, e intrigado
resolve se aproximar para saber de que se trata essa conversa que lhes parece
tão interessante.
- Ola professor, a conversa ta boa ai? Fique até
curioso, sobre o que tanto falam? -Pergunta o velho professor com um sorriso
simpático no rosto.
- Sobre cores. – responde o garoto.
- Hum, interessante! E qual é sua cor preferida
meu pequeno?
- Azul. – responde o garoto olhando para jovem
professor que sorri.
O velho professor, sendo o
mais admirado da escola em que trabalha por seus sempre certeiros comentários,
faz uma pausa. Observa o céu e com um tom filosófico na voz diz:
- Azul é uma boa cor, “da cor do céu”.
Texto dedicado a Tio A. Lima, por me mostrar o quanto ser "azul" pode ser bom.
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Embriagando Dúvidas
E lá estava eu. Um jovem
sentado em uma mesa de bar, rabiscando em um guardanapo de papel, a
ideia que eu queria que todos tomassem como verdade. Procurando no
fundo do copo, uma luz que me tirasse de um fundo ainda mais obscuro e
profundo, o fundo do poço. Mas um, entre os milhares que não sabia o
que fazer da vida. Mas diferente daqueles que não gostavam
especificamente de nada, eu amava tudo, e isso só tornava a minha
escolha ainda mais difícil. Um velho bêbado, dito por muitos sábio e
por outra porção de muitos louco, sentou ao meu lado e leu em meu
ideológico guardanapo a frase " A escolha é minha!". E com um sorriso
afetado, que naquele momento me pareceu mais bêbado que o próprio
velho, acenou com a cabeça a concordar:
- Sim a escolha é sua...
A simpatia do
divertido senhor , provavelmente acrescida das várias doses que
visitaram meu copo antes de ser esvaziado de novo e de novo, me fizeram
confessar a ele meu dilema. Eu lhes contei dos planos do meu pai
artista com relação o meu dom para desenho, dos sonhos da minha mãe em
me ver tocando eu uma grande banda de música clássica, da minha
quedinha por matemática e de como eu amava tudo aquilo. Falei também do
meu medo de errar e da minha mania de querer algumas coisas só pra
mim. O velho me ouviu atento, e ao fim tudo que me disse foi:
- Seja como um cafetão...
Notando minha confusão mental continuou a explicar:
- Imagine um cafetão, um
homem que realmente ama mulheres. Imagine agora dois tipos de mulheres
na vida dele: suas "funcionarias", ele fez um sinal de aspas com os
dedos, e sua esposa. Suas "funcionarias" - Disse repetindo o sinal- São
coisas que ele gosta, mas que não ver problema algum em trocar por
dinheiro, já sua esposa é algo só seu, que prefere guardar pra si. Seja
como ele, escolha uma coisa que realmente gosta para fazer, mas defina
as coisas que você não está disposto a partilhar com outros por
dinheiro. Guarde a sete chaves o que acredita ser só seu, mantendo
seguro e puro o que você ama.
As palavras do
velho me fizeram pensar e seriam, mais tarde, o que me fizera tomar um
rumo na vida. Infelizmente, tudo que pude fazer por aquele homem foi
lhe pagar algumas doses de bebida para que continuasse em seu delírio.
Se bem que, considerando a sanidade exagerada dos dias de hoje, talvez
isso fosse tudo que um velho louco precisava para se manter sábio.
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Cheios vazios
"Você já se pegou olhando para o vazio com os olhos cheios de lágrimas?"
Porque aquele vazio era cheio.
Era cheio de saudades, de lembranças, de pesares
De versos, de sons e risos,
De erros, acertos, e olhares.
Antes cheio de você
Agora sem você aqui
Só me resta esse vazio
Imenso contido em mim.
Porque aquele vazio era cheio.
Era cheio de saudades, de lembranças, de pesares
De versos, de sons e risos,
De erros, acertos, e olhares.
Antes cheio de você
Agora sem você aqui
Só me resta esse vazio
Imenso contido em mim.
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Óculos
Os
óculos me incomodavam novamente. Precisar daquela mascara bizarra pra enxergar
chegava a ser estressante. Sim, eu odiava aquilo. Enquanto o ônibus deslizava pela estrada, o
tédio ocasionado me fez olhar para todas as direções. Recosto minha cabeça no
banco e conformo-me a olhar para o teto, que naquele instante me pareci tão interessante
quanto um filme Hollywoodiano, até que vejo pela janela algo que realmente
merecia minha atenção. Um céu estrelado de um negro incrivelmente negro e estrelas
incrivelmente estrelas. O incômodo retornou e o reflexo nas lentes me fez notar
marchas. Retiro o óculos e enquanto o limpo em minha camisa dou mais uma
espiada no belo espetáculo noturno. Mas dessa vez o negro da escuridão não me
parecia tão negro assim, as estrelas estavam mais turvar e em menor quantidade
e o deslumbre que senti ao ver o céu anteriormente não existia mais. Quando
voltei a enxergar aquela beleza um suspiro escapou inevitavelmente. E tudo que
se passava pela minha cabeça era a pergunta “Quanta vezes deixei de observar o
céu por pensar que ele não passava de um borrão?” Talvez eu não odiasse aqueles
óculos tanto assim.
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