segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Sereia
Não era dia, nem noite. A visão do mundo já não era nítida, era o momento em que temos a chance de encontrar o sobrenatural. E eu o encontrei.
Ela nadou até mim, acenou, quando ainda estava no meio do oceano, e sorriu. Quando chegou a praia, subiu em uma pedra e o sol de fim de tarde refletiu em suas escamas escuras um brilho multicolor, furta cor. Parecia ofegante, como se tivesse vindo depressa demais.
Sentados nas rochas falamos de tudo. Contei-lhes sobre a terra e ela me falou dos mares. Deitamos na areia e contemplamos a lua cheia em silêncio. O céu era o mesmo, visto da terra ou do mar, e isso nos fazia sentir iguais.
Quando eu contava alguma piada infame sobre sua condição não totalmente humana, ela fazia cara de brava e jurava me cantar uma canção. Me enfeitiçar, me levar para o fundo do mar e tirar-me o último suspiro com um beijo. Eu juro que às vezes queria, eu juro que fazia piadas até demais.
Mas ela nunca me cantou nada, ela nunca me tocou com seus lábios de veneno. Suas mãos sempre visitavam minha pele seca e as minhas passeavam pela sua hidratada e com aspecto sempre molhado e fresco.
Seus dedos sempre entrelaçavam nos meus durante a despedida, nossos olhos se encontravam e, depois, eu a via sumir na imensidão azul, antes que o sol nascesse novamente. Eu sempre voltava tão cansado para casa, que não sabia o que era sonho e o que era real. Então, eu esperava mais uma lua cheia, mais uma vez o momento de vê-la. Aquele momento quando não é dia, mas também não é noite.

Texto dedicado a uma sereia sem nome, sem adeus, sem saber se é real ou não. E que, ao me conceder uma fração de seu tempo, deixou em mim a marca de seus olhos. Feitiço mais cruel que seu canto, veneno mais mortal que seu beijo.
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